fotografia © agnaldo lima
fragmentos
fragmentos
a irrecuperabilidade do tempo
somente tarde, muito tarde, constatamos o que deixamos
pelo caminho, na falsa esperança de, um dia, voltar e consertar tudo. é como se
a juventude fosse eterna e acreditássemos que, somente os outros envelheceriam,
dando-nos o status de príncipes da longevidade, onde tudo fosse permitido; até
mesmo esquecer aqueles que nos amaram e que viam em nós os seus eternos
cúmplices nessa longa viagem, através desse sinuoso trilho a que chamamos de tempo. no ímpeto da nossa juventude, colocamos em
suas bocas, deliciosos sabores, para, mais tarde, serem transformados no sabor de
coisas perdidas, enquanto na nossa boca ficava um travo de esperança arquivada
no futuro. nem sequer atentamos para as furtivas lágrimas que enevoavam os seus
olhos, enquanto sob a capa do egocentrismo, nos escondíamos, seguros de que
um dia voltaríamos e, num passe de mágica, recuperaríamos o beijo não dado, o aconchego
omitido, a palavra de redenção não proferida, ou o abraço que nos resgatasse da
solidão...
certamente não tínhamos a consciência de que o tempo
transformar-se-ia num pavoroso iceberg e tal um gigante, agiria como sentinela,
não nos deixando mais voltar! simplesmente, obedecendo à trágica lei do caminho
sem volta, anestesiaria a nossa consciência, para depois mostrar-nos com
clareza e crueldade que uns já haviam partido e que outros já não reconheceriam
a nossa voz, nem a neve que acumulamos sobre os nossos cabelos. assim sendo,
quando esse momento chegasse, restaria, apenas, sentir na alma o ardor incómodo da chama que corrói e
o longínquo sabor dos beijos que tivemos, se é que assim o fora. para o nosso
consolo, o qual não apasiguaria a nossa dor, outros viriam
depois de nós e, palmilhariam o nosso mesmo trajecto, reproduzindo os nossos mesmos
gestos, numa interminável repetição de códigos milenares, os quais compunham a
herança que tivemos e que, indubitavelmente haveríamos de deixar. eles
sentiriam os mesmos cheiros que sentimos, chorariam as mesmas lágrimas que
choramos e se consumiriam de prazer no vigor do mesmo riso que tivemos. e num
dia, lá bem distante, sentiriam o desejo de, também, voltar e, como nós,
olhariam indefesos para trás e constatariam, com saudades, que o seu tempo
acabou.
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